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Arbitramento de pensão alimentícia entre ex-cônjuges: caráter excepcional e transitório

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o arbitramento de alimentos entre ex-cônjuges deve considerar, além do binômio necessidade-possibilidade, a capacidade potencial para o trabalho e o tempo de pensionamento. Tal é a tese central proferida no âmbito do Recurso Especial (REsp) nº 1.829.295/SC, julgado em 10/03/2020.

Como se sabe, é possível o arbitramento de pensão alimentícia em benefício de ex-cônjuge, desde que atendidos alguns pressupostos. Assim, se houver demonstração, por exemplo, de que um cônjuge dependia exclusivamente do outro durante a constância da união, ou de que no decurso da união um dos cônjuges esteve impossibilitado de trabalhar e ocupou-se exclusivamente dos cuidados com o lar, o juiz pode, por ocasião do divórcio ou da dissolução da união estável, arbitrar alimentos em benefício do cônjuge dependente.

Essa conclusão encontra guarida no artigo 1.694 do Código Civil (CC), que aduz:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

O pensionamento entre ex-cônjuges deve obedecer ao binômio necessidade-possibilidade, ou seja, deve-se levar em conta a necessidade de quem pleiteia os alimentos e a possibilidade do alimentante. Tal é a dicção do § 1º do art. 1.694 e do caput do art. 1.695, ambos do CC:

Art. 1.694. (…) § 1º. Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

Ademais, no que tange a alimentos devidos entre ex-cônjuges, o entendimento é de que devem ter caráter excepcional e transitório. Isto é, devem ser arbitrados em situação de excepcionalidade, em que se comprove cabalmente a dependência financeira, e devem ser transitórios, na medida em que o alimentado deve se reinserir no mercado de trabalho ou passar a obter, por qualquer meio, seu próprio sustento.

E a função dos alimentos, neste período transitório e imediatamente posterior à separação, é justamente garantir ao cônjuge dependente as condições necessárias para que logre reinserir-se no mercado.

Quando, porém, presentes particularidades que justifiquem a prorrogação da obrigação, tais como a incapacidade laborativa, a impossibilidade de inserção no mercado de trabalho ou de obter autonomia financeira, o juiz poderá, no caso concreto, ponderar sobre a prorrogação da medida.

No REsp nº 1.205.408/RJ, o STJ decidiu que “se os alimentos devidos a ex-cônjuge não forem fixados por termo certo, o pedido de desoneração total, ou parcial, poderá dispensar a existência de variação no binômio necessidade/possibilidade, quando demonstrado o pagamento de pensão por lapso temporal suficiente para que o alimentado revertesse a condição desfavorável que detinha, no momento da fixação desses alimentos”.

Significa dizer que, para casos em que os alimentos foram fixados por tempo indefinido, o alimentante, ao postular a desoneração, não estará obrigado a comprovar alteração no binômio necessidade-possibilidade (ou seja, que o cônjuge pensionado não tem mais necessidade dos alimentos ou que o alimentante não tem mais possibilidade de cumprir com a medida), uma vez que o próprio lapso temporal pressupõe que o alimentado está agora em condições de arcar com o próprio sustento.

Já no REsp nº 1.789.667/RJ, a Corte Superior consignou que “a fixação de alimentos depende do preenchimento de uma série de requisitos e não pode decorrer apenas do decurso do tempo. A idade avançada ou a fragilidade circunstancial de saúde da ex-esposa, fatos inexistentes quando da separação, não podem ser imputados ao recorrente, pois houve tempo hábil para se restabelecer após o divórcio, já que separada faticamente do recorrente há quase duas décadas”.

O REsp nº 1.829.295/SC, aqui examinado, foi assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR PRESTADA POR EX-CÔNJUGE. EXCEPCIONALIDADE. PENSIONAMENTO PROLONGADO. IMPRESCINDIBILIDADE DA PRODUÇÃO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA RECONHECIDO. 1. Controvérsia em torno da pretensão do demandante de se desonerar do pagamento da pensão alimentícia prestada à demandada de quem se divorciou em 2008, alegando ter ela condições de prover seu próprio sustento. 2. Pedido de exoneração dos alimentos acolhido pelo juízo de primeiro grau, em julgamento antecipado da lide, tendo sido a sentença reformada pelo acórdão recorrido para julgar improcedente a demanda. 3. Conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, o dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges é transitório, devendo ser assegurado ao beneficiário dos alimentos por tempo hábil para que consiga prover a sua manutenção pelos próprios meios. 4. A concessão do pensionamento não está limitada somente à prova da alteração do binômio necessidade-possibilidade, devendo ser consideradas outras circunstâncias, tais como a capacidade potencial para o trabalho e o tempo decorrido entre o seu início e a data do pedido de desoneração. 5. No caso concreto, ao divergiram quanto à necessidade de manutenção da obrigação da prestação alimentar, ambas as instâncias ordinárias firmaram suas convicções baseadas em meras suposições. 6. Apesar da consabida importância da prova documental, em se tratando de controvérsia jurídica inegavelmente permeada por questões eminentemente fáticas, a hipótese dos autos revela a imprescindibilidade da produção de outras provas admitidas pelo ordenamento jurídico a fim de se oportunizar às partes a ampla defesa de seus argumentos, bem como permitir sejam proferidos pronunciamentos judiciais baseados em fundamentação capaz de justificar racionalmente a decisão adotada. 7. Reconhecido o cerceamento de defesa, fica prejudicado o exame das demais alegações de violação a dispositivos de lei federal. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM, DE MODO A VIABILIZAR A INSTRUÇÃO PROBATÓRIA.

Portanto, tem-se que o pensionamento entre ex-cônjuges, apesar de previsto pelo ordenamento jurídico, deve ser medida excepcional e transitória, suficiente a possibilitar ao cônjuge alimentado que se (re)insira no mercado de trabalho e passe a prover o sustento próprio, não podendo o alimentante ficar atrelado indefinidamente ao sustento do ex-cônjuge, sob pena de ferir-se o princípio da razoabilidade.

*Livia Gorgone é advogada em Araçatuba (OAB/SP 428.436) – adv.liviagorgone@gmail.com

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